O acaso está no comando

A poesia, segundo Ferreira Goulart, nasce do espanto, da perplexidade. A pessoa precisa estar num momento especial, num momento de sensibilidade exacerbada. A poesia nasce daí e se desenvolve através da catarse. Não há nada de místico nisso, de forma alguma.
Ele disse que há 5 anos não vem encontrando esse momento de espanto e por isso, nunca mais escreveu nada.
Você pode se sentar diante do computador, dizer que vai escrever uma crônica para o jornal e escrever, mas com a poesia não é assim. Se você não estiver naquele tal momento de espanto, a poesia não sai.
É preciso também que haja uma estrutura interna, um talento.
E essa estrutura interna, esse talento que já vem com a pessoa, é para mim uma das coisas mais misteriosas do mundo. O espiritismo tenta explicar através da reencarnação.
Na vida quase tudo acontece por acaso.
Se eu não tivesse me matriculado na cadeira de "Televisão", cujas aulas aconteciam lá no IME (Instituto Militar de Engenharia), na Praia Vermelha, e onde um dia o pessoal que dirigia o departamento de eletrônica do CTA, foi fazer uma palestra sobre o projeto que eles estavam desenvolvendo, eu não teria ido trabalhar em São José dos Campos, não teria conhecido a Lili e não teria tido os filhos que eu tive.
Estendendo ainda mais o raciocínio, eu poderia ter ido para São José, poderia ter me casado com a Lili, mas poderia não ter me interessado pela oportunidade de ir para a Estação que a Embratel estava construindo em Morungaba, nas proximidades de Campinas. Nesse caso meus filhos seriam os mesmos, mas o Pedro não estaria no mundo.
Se o Tom Jobim não tivesse, aos 14 anos, se encantado com um piano que apareceu lá na casa dele e deixado até de ir à praia para ficar estudando, coisa de maluco conforme ele mesmo admite, não teria acontecido "Corcovado", "Se todos fossem iguais a você", "A felicidade", "Samba de uma nota só", "Chega de saudade" e "Desafinado". Se ele não tivesse sido aluno da Prof. Branca, talvez não tivesse sido apresentado à obra musical de Debussy e não teria se embrenhado pelos caminhos harmônicos inovadores que seguiu.
É certo também que se ele tivesse morrido com 20 anos, nada disso teria acontecido.
O acaso comanda tudo.
Mas tem que haver o talento especial, aquele algo que permite que uma pessoa, mesmo que tenha tido uma formação incompleta, como o Gershwin ou nenhuma formação, como o Cartola, seja capaz de produzir grandes obras.
O que teria acontecido se o Cartola, em vez de nascer pobre, tivesse tido a oportunidade que o Tom teve?
E, se para driblar algumas artimanhas do acaso, disponibilizássemos nas escolas públicas salas contendo  piano, violino, sax, flauta, trombone, cellos, bandolins e cavaquinhos? O que aconteceria se fossem colocados nessas salas instrutores interessados em fazer aflorar talentos?
Olha, não sei não, mas o que ia aparecer de carinha bom por aí não está no gibi.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

A floresta da Nanda Costa

Campos Machado